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Rememorar para que nunca se repita

Memorial dos Desaparecidos Políticos, cemitério em Ricardo de Albuquerque, Rio de Janeiro.

Em 64, eu ia fazer dois anos de idade.

Mas acompanhei muito meu pai, do samba e marceneiro do Ministério dos Transportes, mas vinculado à RFFSA,

Contava muitas histórias de colegas que do nada sumiam, e meu pai dizia que era proibido falar em greve, em política.

Como ele fazia bicos de marcenaria, acabou fazendo carros alegóricos pros desfiles, toda vez que me lembro de meu pai em evento social, era sempre com a fisionomia fechada, tensa. Eram tempos muito difíceis.

Mais tarde, como arquiteto da Riourbe, me vi diante de um projeto e obra que ninguém queria pegar

Chamou a minha atenção a capa do processo da obra, tinha o título ” memorial do grupo Tortura nunca mais”

Perguntei ao meu chefe, Saulo, o que era àquilo.
Ele falou

— Cara, isso é uma obra, nao sei porque veio parar na minha mão. Deus me livre. Tentei devolver, mas o Zé Milton ( o diretor) mandou eu designar alguém prá essa obra.

— Ai falei na hora. Eu pego!

Dali, convivi com o projeto.
Era uma coisa simples.
Uma urna para colocar 14 ossadas de ” indigentes” que o IML ia descartar.

Mas como, na epoca, isso foi em 2009, o vice prefeito do Rio era o Muniz irmão de um guerrilheiro na luta armada

Ele conseguiu verba para guardar essas ossadas.

Fiz um projeto de acordo com a importância daquela situação.

Fiz reuniões com o grupo ” tortura nunca mais” e familiares.

Daí entrei num universo, completamente alheio e ignorante.

Cada vez que um familiar relatava, era choro dos dois lados.

Tamanha a dor da perda de garotos e garotas jovens guerrilheiros. Aquilo me tocou muito.

Aí liguei os pontos com as histórias de Oliveira, meu pai
E tirei a minha conclusão.

—Ditadura nunca mais
— Militares nao valem o que comem nos ranchos
—Nao precisa ter vivido aquela época para odiar uma ditadura
— Eles estão e sempre estarão à espreita.
— O país precisa espiar esse bode, punir à quem tem que punir

Essa é o meu da
Desafeto com a Ditadura Militar de 1964.

Rememorar para que nunca mais se repita.

Obs:
Aqueles espelhos na escala humana , é para que cada visitante, ali se veja, se reconheça.
Estive ano passado lá no cemitério de Ricardo de Albuquerque, numa cerimonia familiar e tirei fotos do lugar como se encontra hoje.

Fiz esse relato para contribuir o quanto é importante guardar esse tempo tenebroso de nossa história.

Souza, Cabral. In IAB RJ, Oxigena, 31 de março de 2024